sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

a greve

ao direito à greve,



A greve é boa quando somos nós lutar pelos nossos direitos, a greve dos outros é boa quando não nos muda os nossos planos. A história da greve conta-se assim:

Voara há menos de uma semana para Joanesburgo, para dias cheios de formação e um esquecer tudo no final do dia, para recomeçar no dia seguinte na Babel linguística que são os meus dias. Viver entre línguas dá nisto e se querer voltar ao colo da língua mãe no final de cada dia, sentir o carinho das palavras, deixar-se abraçar pelo seu amor, para se entregar nos braços das línguas amantes logo de manhã cedo.

O fim de formação coincidia com o regresso a casa, aquela que me acolhe em dias de trabalho. Tudo normal na rotina de check out, acomodar mais papéis na mala e ter pequenas reuniões nos entretantos. Entrar no autocarro do hotel, chegar ao aeroporto, fazer check in, passar pelos vários pontos de revista, percorrer lojas para comprar tudo ou nada, comer, tomar café. Entrar no avião, sentar, dormir, comer, conversar, ver filmes, ler, mexer-me não fazer nada, querer sair do avião quando ainda não é hora... e tantos outros verbos que têm lugar no lugar do lado.

Tudo seria assim até aterrar.O piloto até avisou a aterragem em Dakar, mas instantes depois explicou que afinal aterrariamos em Banjul porque havia uma greve de controladores aéreos. Os passageiros olharam uns para os outros, como se não percebessem nenhuma das línguas em que ouviram a mensagem.

Os verbos esperar e pacientar ganham a conjugação própria de cada passageiro, na falta de novidades. Os tempos verbais são esquecidos quando piloto diz, três horas depois, que temos de voar para Acra porque lá a companhia tem mais apoios. Os passageiros olham-se incrédulos: eu sinto-me a afastar de Dakar, os outros sentem Washington mais longe.
Mais de três horas depois aterrávamos todos em Acra. Nova incredulidade de anúncio de saída.

Num primeiro instante ninguém sabe bem o que fazer connosco, e entre a espera de mais um rastreio de segurança lá está a solução: voltar a Joanesburgo no voo que sai dentro de minutos e de lá voltar no dia seguinte.... ou.... ou ficar em Acra por conta própria até ao fim da greve ainda não anunciado, conseguir visto e comprar outro bilhete. A decisão tem de ser tomada rapidamente.

Ficar no incerto ou voltar a descer África. O desejo de ar livre é enorme, mas as decisões têm de ser tomadas de modo sensato.
Voltar a Joanesburgo foi decisão. Entre autocarro e o avião ainda dá para sentir o sol e a humidade de Acra. Tudo se esvai em minutos em busca de lugar no avião.
Acomodo o cansaço no banco, guardo a dor de cabeça na bagageira, para que não saia de lá. Sento-me em conversas com os passageiros, trocamos "postais" de lugares por onde passamos, o tempo passa... filmes... refeições que não me sabem a nada.
Na hora de aterrar sou presenteada com um saquinho de banana seca picante - um aperitivo do Gana. Diz que é para comer no próximo hotel para onde for. Agradeço querendo acreditar que a greve era mesmo só de 24horas e que haveria um voo de regresso para casa.

Já no aeroporto ninguém tem muito para nos dizer, mas lá sacam do voucher de hotel - não havia volta a dar até ao final do dia seguinte. Os hotéis estavam cheios em Joanesburgo, mas mesmo assim fomos encaminhados para um que nos encaminhou para outro e lá nos deu de jantar, antes de nos deixar em Pretória - mais quase uma hora de caminho e eu quase não sei que é quase sábado.
Mais um check-in, mais uma cama desconhecida, mais um adormecer e ser acordada pelo erro - não o voo é só ao final do dia.... tento esquecer e dormir, mas logo é hora de pequeno-almoço, logo é hora de não saber bem a que horas nos levam para o aeroporto... logo é hora de querer um cartão de embarque, de ninguém perceber à primeira o que fazemos ali e de procurarmos as malas do dia anterior. Encontrado o caminho lá reclamamos mais um voucher de refeição e eu já só penso num café expresso. Encontro-o mais tarde com chocolate de menta, entro numa loja saio de outra até chegar ao último check de segurança antes do embarque - volto a perguntar-me por que é que tem se ser assim, por que é que há sempre o medo latente que algo aconteça, será que revistam mesmo tudo? será que nada lhes escapa nos pedaços de papel que lêem coisas invisíveis? No meio destes pensamentos dou por mim a desejar as boas-vindas ao passageiro do lado, com o qual conversei sobre mil coisas da vida: desde yoga, meditação, religião, educação, viagens, futuros e presentes, pessoas.. O tempo passou. Finalmente o solo de Dakar, e depois de meias palavras em Wolof eis-me na confusão das malas "grevistas": malas por todo o lado, tapete de giram com malas de voos anteriores, gente perdida, gente inquieta que grita e se pergunta porquê esta mudança de aeroporto "do dia para a noite".

Il faut patienter, tout va se régler!


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