segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Kampot pimenta

para as pontes que nos unem,


Abrir o guia e escolher o próximo destino de fim-de-semana, ingredientes: praia, campo, rio, ruas com histórias e pimenta.
Estava escolhido Kampot, com passagem por Kep, por isso o bilhete foi comprado com a antecedência devida e a cabana reservada junto ao rio.









Os ingredientes prometiam um prato gourmet, mas... entremos no autocarro antes de nos sentarmos à mesa.
Era cedo, bem cedo saltei do banco do tuk-tuk para o banco do autocarro e esperava, dali a três horas, estar sentada na areia da praia ou num banco junto ao rio, mas continuei no banco do autocarro a ver campos de arroz, a chuva que vinha e que ia, a ler, a perceber que os ponteiros do relógio já tinham ultrapassado as três horas prometidas e não fazia ideia de quanto tempo ia demorar até chegar ao destino porque o autocarro teimava em contrariar o Google Maps.







Quando decidiu deixar de o contrariar parou em Kep. Já não eram horas de parar e a praia foi avistada de um vidro cheio de chuva. Saíram passageiros, entraram passageiros e seguimos viagem.
Pára aqui, pára ali... Chuva... Nova paragem e Kampot.



Kampot fica nas margens do Kampong Bay River e pode-se lá chegar a partir da capital, de Sihanoukville ou do Vietname, por exemplo. De cada um destes locais partem os mais variados transportes... sem suspeitar escolhi o "mais longo", o que me faria olhar mais para dentro mim, para o meu lado esquerdo e para o meu lado direito.

Kampot é uma cidade pequena, com traços da arquitetura francesa e com campos de pimenta. É uma das pontes para explorar o interior do país. É um lugar pequeno que se visita numas quantas voltas de bicicleta.
É um lugar cheio de oferta turística e esconde um restaurante português, que mistura saberes e sabores.







 


Kampot foi a prova que as viagens somos nós que as fazemos, juntos ou sozinhos com o que vai dentro de nós porque o importante são as pontes que nos unem.


Siem Reap - Angkor Wat e muito mais

para o meu irmão,

no relógio quase batiam as vinte e três horas e trinta minutos e eu estava deitada no autocarro, aconchegada com uma manta por causa do ar condicionado. De lá da frente vinham anúncios em khmer e em inglês, depois de terem distribuído água e toalhitas.
Depois de uma ronda pela internet os olhos começavam a pesar e a fechar-se lentamente.
O autocarro noturno percorreu os 314 km que separam Phnom Penh de Siem Reap em seis horas, com uma paragem de cerca de trinta minutos (ou talvez menos porque eu dormia). Quando lá chegou, ainda ao sol não tinha nascido.
Nas ruas escuras foi-se tateando o hotel, para um banho e mais umas horas de descanso antes de pedalar até aos templos.


Em frente ao hotel lá estavam as bicicletas para alugar, por um dólar por dia e mais à frente, um pouquinho mais à frente como quem sai surrateiramente da cidade estava o local de compra de bilhetes para o mundo da contemplação.
Pode-se comprar bilhete para um ou para mais dias. Os vinte usd custam a sair da carteira, mas se pensarmos que podemos passar o dia todo de templo em templo, que é como quem imagina de museu em museu, os usd saem com mais confiança.
Pedalar, pedalar... Escolher virar à esquerda, para amanhã virar à direita.
Paragem número 1 e única para as poucas horas que ainda restavam da manhã: Angkor Wat.


Angkor Wat é património material da UNESCO, é silêncio na imensidão de turistas.
É daqueles locais em que a brutalidade do Homem se desvanece e se pensa como é que tantos Homens juntos, com ajuda de elefantes, conseguiram construir tal obra.
Escadas, corredores, janelas, oferendas aos deuses, paredes cheias de histórias, que levariam dias e dias a ser contadas, mas que chegam aos ouvidos resumidas pelos guias turísticos ou aos olhos, que tentam encontrar as palavras do guia nas imagens.
Angkor Wat resume-se ao estar, ao captar o silêncio no meio da multidão, ao encontrar-se para lá do horizonte quente e húmido.

Era tempo de almoçar, beber coco fresco, tomar café e continuar a pedalar.
Pedalar de templo em templo, ler histórias no guia, encontrar histórias nas paredes ou em cada figura.






A tarde ia caindo e com ela a ideia de ver o pôr-de-sol porque as condições atmosféricas não permitiam, por isso antes que a noite caísse foi tempo de pedalar de volta à cidade, banhar e jantar.
Jantar francesinha em Siem Reap era o desafio da noite. Perdidos na noite e nas ruas trocadas do Trip Advisor lá encontrámos a Ribeira do Porto, que é como quem diz um restaurante português com sotaque do Norte.
A decoração não deixa enganar e a francesinha com um toque oriental também não. Para quem se perde de saudades vale a pena encontrar-se nos sabores da terra.


Ao pequeno-almoço os sabores eram os da terra, os da terra verde e húmida, os da terra dos sorrisos e das bicicletas. Falando em bicicleta, lá estava ela pronta para mais uma viagem pela história.


Era dia de virar à direita, de não resistir e comprar roupa leve com elefantes - à porta de quase todos os templos há pequenos negócios de roupas, recordações, esculturas, pinturas ou comida (o ananás é uma aposta 100% tudo).



Foi dia de ver templos molhados e pedalar à chuva entre risos e pensamentos lavados, quase acreditando que a bicicleta era um barco com duas rodas.



Chovia no corpo cansado, que se enxugava depois de um banho frio e que se aqueceu num copo de vinho que acompanhou o peixe do jantar.








Com uma flor no canto da orelha esperei pelo tempo do autocarro que me levaria à capital, para amanhecer entre os lençóis brancos: bom-dia Phnom Penh dos telhados coloridos, bom-dia varanda dos pontos cardeais.

sábado, 3 de outubro de 2015

Para Kampong Cham já e rápido

Bilhete em cima da mesa,

Para ti...

A ideia de partir foi apalavrada, mas estendeu-se languidamente ao longo do dia e tornou-se real antes do sol se deitar no colo da lua.
O dia começou com o espreguiçar e aconchegar do ar condicionado, esquecendo os quase mais de trinta graus, e num salto da cama a preguiça ia desvanecendo no pequeno-almoço com os olhos fitos no computador. Os dedos percorreram-lhe as teclas de página em página, escreveram textos aqui e ali e na ideia de encontrar um eventual trabalho fizeram clique na tecla enviar. Duas horas depois o telemóvel toca, numa conversa inacreditável desliga-se a chamada e minutos depois soa o sinal de mensagem: estava convocada para uma entrevista sabia-se lá onde.


O lá onde vinha nos mapas do google a uma distância temporal que uma cidade cheia de trânsito e um motorista de tuk-tuk perdido, mas confiante, tornavam diferente.


A entrevista correu num tom leve e animado pelo meu inglês com sotaque francês. Num aperto de mão espero que a chuva pare para voltar a negociar o preço do regresso por ruas desconhecidas e com direito a uma paragem para abastecer na bomba de gasolina.

As viagens de tuk-tuk têm quase sempre o seu quê de inesperado, mas mais tarde ou mais cedo acabam por chegar ao destino. Claro que o mais tarde ou  mais cedo depende sempre se o motorista sabe onde fica o destino e se consegue prever a rua onde tem menos dois ou três carros, duas ou três motas e uma dezena de bicicletas.

O sol tinha o seu ar lavado da chuva e começava a esticar os braços entre as nuvens, para vestir o seu pijama calmamente. Estendia o olhar para tentar avistar a lua, mas ainda era cedo. Ela ainda estaria a alindar-se para o seu fugaz encontro.




No bolso, o telemóvel treme e faz tremer o meu sentido de orientação: cinco minutos para chegar a casa e partir  - para Kampong Cham já e rápido!
O meu sentido de orientação olha para o google maps e pensa que não se pode perder, pede ajuda às referências visuais e cruza ruas e pessoas. Chegou, fez a mochila para um número de dias indefinido e em tempo record fechou a porta dizendo "venho já".



Phnom Penh foi mostrando outras ruas, lugares ainda para visitar. Kampong Cham mostrou-se dali a duas horas, já no escurecer do dia com a lua a guiá-lo. Pelo caminho campos de arroz, pessoas e mais pessoas, templos encontrados no inesperado do olhar, casas de madeira, ladeadas com bilhas para acumulação de água.





Na noite de Kampong Cham houve direito de experimentar iguarias menos comuns (penso) no ocidente: rã grelhada, acompanhada por legumes e carnes de vaca e porco. Haveria direito a olhar as estrelas e a adivinhar aquele lugar pequeno ao longo do rio.




A lua começava a ficar cansada e sol despontava na sua jovialidade faminta. Percebeu que não seria fácil fazer-se entender para tomar o pequeno-almoço, mas lá conseguiu uma sandes torrada com queijo e ketchup e na confusão de não beber leite bebeu um refresco com sabor secreto no fundo do copo, enquanto planificava o seu dia de visita e começava a sentir o corpo a fraquejar.


Enquanto fingia que não sentia o corpo fraco cruzou ruas na descoberta da cidade.... mas com a mesma pressa da chegada o telemóvel vibrou dizendo: para Phnom Penh já e rápido!







Deveria atender ao pedido do telemóvel?! Pensou que não porque estava ali para ver o que havia para ver, porém o corpo começava a pedir-lhe um remédio para as dores, que o iam impedindo de centrar o seu pensamento numa outra coisa e num ápice comprou um bilhete de autocarro, enfiou tudo à pressa na mochila e partiu olhando o caminho a partir do banco de trás.













Chegou e pensou: "Home, sweet home. I am back."... Tomou um remédio e enrolou-se no sofá depois de comprar pão com sementes.

Em Kampong Cham ficou por visitar uma ponte de bambu (em reparação) e o Wat Nokor... e muito mais que houvesse para o sentido de orientação se perder entre vilas e aldeias e se encontrar no recolher dos templos orando a Buda.